Crónica de Alexandre Honrado
De frase em frase e o erro de citar este e aquele
Sem nostalgias, guardo por vezes algumas frases.
Não sou daqueles que gosta da citação pela citação e até me assusta a frase isolada, tirada de um contexto qualquer que fica sempre impune, que nos leva a pensar uma coisa quando o original tendia para outra muito diferente.
É sempre útil resgatar o exemplo daquela frase (manipulada) de Fernando Pessoa que passou à memória das citações como “A minha Pátria é minha língua” e que, lida no contexto nos arrepia. Sim, arrepia, inquieta e desilude, pois logo a seguir o poeta afirma: “Pouco se me dá que Portugal seja invadido, desde que não mexam comigo”.
Querem saber? A mim importa realmente que Portugal seja invadido, não só pelas ideias retrógradas que saem dos túmulos bafientos e nos querem levar para um recuo no tempo condenando-nos à imbecilidade do que já foi o nosso passado, como as múltiplas outras formas com que agridem este pobre país, invadindo-o de mediocridade e das mais imbecis opções e formatos.
Lido com as frases, pelo que lhe tenho profundo respeito.
Encontrei há dia uma que transcrevi de uma parede de Belfast.
Para quem não sabe, Belfast é uma das cidades invadidas do mundo. Capital da Irlanda do Norte, e da província do Ulster, cenário único das sangrentas batalhas entre Católicos e Protestantes, violentíssimas e sem perdão entre 1969 e 1960. Recolhida a frase, diz assim: Preparado para a paz. Pronto para a guerra.
Num mundo angustiado como o nosso, parece ser uma frase (quase) universal, capaz de estar em qualquer parede de todos os lugares. Todavia, nem todos os povos, nem todos os lugares são suficiente e habilmente preparados para a paz; e decididamente só alguns estão prontos para a guerra. Porque a paz é um espaço gigantesco e responsável; porque a guerra é a impreparação e a solução das cobardias.
Medito sobre isto e vejo-me a braços com a frase manipulada de Fernando Pessoa: será que a minha Pátria é a minha língua?
Sabendo como traímos fartamente a nossa língua, há que pensar que ideia resta, então, de Pátria (palavra discutível que vem do latim “patriota“, terra paterna), desta que somos ou que, melhor, nos dão a utilizar. E será que somos como Pessoa? Não nos ralamos com a soberania desde que não mexa connosco?
Schiller, médico e poeta, avisava de que nada há de mais perigoso para a liberdade do que a tranquilidade. Ainda somos livres – mas muitos de nós dormitam na insensatez da tranquilidade. Não agem, não se ralam, não leem as frases até ao fim como aquele, o primeiro que citou Pessoa sem perceber que o poeta seguia em frente para outra perigosa conclusão.
Alexandre Honrado
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